Em segundo lugar: 

Meu avô era um cara legal



     Meu avô era um cara legal, aquele velho comunista desgraçado. Saudosista, vestia o manto verde e íamos todos ao estádio – seu maço de cigarros, a boina de couro marrom e eu. Minhas coleguinhas iam ao balé com suas mães enquanto eu fazia o caminho do estádio dançando e rodopiando e pirulitando de mãos dadas com vovô. Balé o escambau! Clássico pra mim era comer tropeiro e aprender uns palavrões. Vô Túlio sempre dizia que o futebol era uma metáfora da vida real, noventa minutos de nós mesmos – e com créscimos. Cresci rodeada de homens; corriam atrás de mim como uns loucos. Alguns me chutavam. Por noventa minutos, suávamos e trocávamos de posição. Brigávamos, xingávamos, envolvíamos a família toda no relacionamento. “Não, não põe a mãe no meio”, dizia o velho Túlio. Homem de caráter esse meu avô.

     Correr com os primos e bater nas primas era só mais um dos vários argumentos da parentada sobre o senhor Túlio estar me criando errado. Ora, o velho me ensinou direitinho o que era um impedimento! Fofocaram tanto que vovô enfartou. Quando saiu do hospital, reuniu os Silvas e iniciou a reunião. As tias foram as primeiras a falar que “Isabel tá querendo mudar de time. Do jeito que tá, vai acabar gostando de mulher.” Meu avô jogou fora o cigarro e beijou o escudo bordado na camisa. “Oxe, de mulher eu também gosto. Achei que Belinha fosse parar de vestir o manto verde.”

     Meu avô era um cara legal. Nas peladas fazia gol de bicicleta. Hoje, o velho faz falta.


Autor: Lucas Diana
Curso: Publicidade e Propaganda
Campus: São Gabriel