Em primeiro lugar:

O desejo de Gilda



     - Não sei se você foi ao estádio durante a sua vida medíocre. Aposto que não. Mas que se foda. Dá um jeito aí. Quero uma bola quicando na entrada da grande área. Nada de castelos suntuosos. Dessa vez, sem mulheres. Chutar essa bola é o meu último desejo.

     - O campo pode ser a Gávea. Repleta de botafoguenses. Meus antigos súditos. É, Gênio. Eu também tive minha legião. O Ave César era Gilda, como me chamavam toda vez que eu pisava na grama. Um nome de puta de cinema, é verdade. Inglório para qualquer um, menos para mim. Todo o Rio de Janeiro sabia disso. Principalmente a torcida do Flamengo. Como aqueles caras sofreram! Toda vez que eu chutava, sabiam que o Luis Borracha não alcançaria. Taí. O goleiro será o coitado do Borracha, como homenagem a todos os vencidos da humanidade. 

     - Sim, preciso chutar a bola. Já não suporto estes dias de tédio, olhando para a sua bunda feia, Gênio. Eu mereço mais que isso. Fui o melhor dos homens. Operei milagres dignos de Jesus. Libertei como Gandhi. Conquistei como o Valentino. Fiz rir como Chaplin. Joguei como Gilda. Não posso ficar aqui. Atenda o que eu disse e volte para a lâmpada ou para o buraco de onde você saiu.

     - Cala a boca, Heleno, e vem tomar a sopa. De novo me chamando de Gênio? Sou Lurdes, a enfermeira que não gosta de desejo de maluco.

     O velho se levantou devagar. Estufou o peito, como um dia fez Heleno de Freitas. Quando passou no corredor do sanatório, há quem jurasse ver os passos elegantes de Rita Hayworth.


Autor: Thiago Silvério
Curso: Ciências Econômicas 
Campus: Coração Eucarístico